quarta-feira, 26 de junho de 2013

REDESCOBRIR O PRAZER DE FAZER POLÍTICA

“Há mais diversão no trabalho, do que na própria diversão”


ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE


Damos continuidade à nossa reflexão na busca de decodificar os momentos recentes na cena pública nacional, protagonizada por jovens estudantes e incorporada por adultos, em seus direitos inalienáveis de manifestação enquanto portadores da soberania popular que fundamenta o Estado Democrático.

Em 2013 comemoram-se os 500 anos de publicação de uma obra que veio dividir as águas da teoria política: O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Com Maquiavel a política começa a construir um novo objeto de observação: o poder.

Diferentemente dos gregos que analisavam a política a partir de um telos, Maquiavel inaugura uma abordagem tentando analisar os meios para se alcançar tais finalidades, ou seja, o poder, discutindo o modo como os principados podem ser conquistados, governados e preservados.

Não só constitui um novo objeto de estudo da política, como também cria um método próprio de pesquisa e reflexão a partir da observação prática, uma vez que, para ele, existe uma distância muito grande entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver imaginariamente.

Para o autor, o poder não é algo revelado, mas algo a se conquistar e a preservar. Ao elucidar os bastidores do estado de sua época, seu objetivo é o de advertir os homens sobre a responsabilidade que têm diante da condução da vida da coletividade. Ao colocar em luz a prática adotada pelo Príncipe, chama atenção para a força que o poder político possui e da necessidade de os homens conhecerem-no bem para ordená-lo.

O pensador brasileiro, Otávio Ianni, produziu em 1999 um excelente estudo intitulado O Príncipe Eletrônico, no qual atualiza a leitura de Maquiavel, procurando elucidar como na época da globalização modificam-se de alguma forma radical as condições sob as quais se desenvolvem a teoria e a prática políticas com a chegada do “príncipe eletrônico” que, simultaneamente, subordina, recria, absorve ou simplesmente ultrapassa os outros.

No processo de globalização, entre outras coisas, desenvolvem-se tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas que agilizam, intensificam e generalizam as articulações, as integrações, as tensões, os antagonismos, as fragmentações e as mudanças socioculturais e políticas. Esse é o novo palco da política – imenso e complexo – onde as instituições clássicas da política estão sendo desafiadas a remodelar-se, ou mesmo a serem substituídas, já que outras novas instituições e técnicas da política estão sendo criadas, praticadas e teorizadas, afirma o autor.

Se o Príncipe maquiaveliano é um alguém concreto que busca o poder hegemônico (categoria que Gramsci irá teorizar no século XX), contrariamente o Príncipe eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade nos âmbitos local, nacional e mundial. Não é homogêneo nem monolítico. Entretanto, o Príncipe eletrônico expressa principalmente a visão de mundo prevalecente nos blocos de poder predominantes, habitualmente muito bem articulados.

A mídia dos blocos de poder apresenta-se como uma potência radicalmente nova, em crescimento exponencial, cujo objetivo é a manipulação continua das consciências.

Neste âmbito destaca-se a televisão que é um veículo de informação e propaganda intenso, presente no cotidiano de indivíduos e coletividades. Não só registra, como interpreta, seleciona, esquece, enfatiza e sataniza o que poderia ser a realidade e o imaginário.

Transformando a realidade às vezes em algo fantástico (não é à toa que o programa de domingo se intitula assim), seja em algo escatológico, mas quase sempre virtualizando a realidade em tal escala que o real aparece como forma espúria do virtual.

Por isso a cada dia, por exemplo, a publicidade se qualifica em técnica e forma, com o objetivo de eliminar a atitude crítica por parte da receptividade pública a fim de intensificar constantemente o consumo dos produtos produzidos pelas empresas multinacionais.

Como consequência, o Príncipe eletrônico dos blocos de poder realiza “o milagre” de transformar mercadoria em ideologia, mercado em democracia, consumo em cidadania, operando decisivamente na formação de corações e mentes, em escala global. É a tirania eletrônica do Príncipe da reificação da vida humana.

Nos primeiros dias de manifestação, a mídia global logo quis pautar o fenômeno caracterizando-o como manifestação de vândalos (vide Arnaldo Jabor, o Enéas global). Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que ganhou, depois do vandalismo violento da PM do estado de São Paulo.

De fato, para a mídia global foi uma surpresa, porque os longos anos de neoliberalismo exaltando o individualismo e o consumismo haviam, aparentemente, retirado de algumas gerações o prazer de fazer Política voltada para a solidariedade e transformação social.

Mas nem tudo parece estar perdido. Movimentos como o que estamos a presenciar vêm sinalizar que a História não chegou ao fim.

A alegria da ação politica presente nessas ações, como também tivemos a oportunidade de constatar em pesquisa que realizamos com jovens adolescentes de Fortaleza – CE envolvidos com o Orçamento Participativo, é resultado da luta por  conquistas de bens públicos para a coletividade, tornando assim a vida compartilhada mais humana.

O exercício da política voltada para a solidariedade juntamente com os bens públicos conquistados na luta ajuntam valores a essas existências humanas, seja de jovens como de adultos, desenvolvendo o gosto e o sentido de responsabilidade pela vida em comum.


A ação política voltada para a solidariedade coletiva apresenta-se não somente como uma fonte de alegria, mas também como um poderoso antidoto contra o Príncipe eletrônico.

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