“Uma simples faísca pode incendiar a cidade”
ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE
Na quinta-feira 13 boa parte do país foi tomado de surpresa pela
cobertura que a mídia global fazia da manifestação de alguns jovens pelas ruas
de São Paulo no seu legítimo e democrático direito de manifestar-se contra o
aumento das passagens de ônibus.
Essa mídia global, de forma orquestrada, imediatamente tratou de
caracterizar aquela manifestação buscando enquadrar o Movimento Passe Livre (MPL)
como um grupelho extremista. Entretanto, a ação truculenta da Polícia Militar
(PM) paulista naquela noite chamou a atenção da população e foi a gota d’água para
despertar a população em favor dos jovens manifestantes, atraindo, como efeito
viral, uma massa avassaladora para às ruas.
Papel importante para o desvelamento da verdade foi desempenhado
pelas redes sociais e smartphones para derrubar as distorções construídas pela
mídia global conservadora – que é especialista em mostrar apenas o seu lado de
visão de um fenômeno e tenta-lo impor como verdade única, neste caso ao buscar enquadrar
aquela manifestação como extremista e baderneira.
Os jovens – como também os adultos que os acompanhavam – decidiram ocupar
o espaço público por uma questão óbvia: o direito inalienável da liberdade de
se manifestar. O espaço público é de todos e deve estar a serviço de todos. Eis a primeira questão que emerge como ponto
fundamental para nossa reflexão, resultado dessas manifestações das quais
estamos um tanto desacostumados.
Para o mundo desigual concebido pelo neoliberalismo do Estado
mínimo que produz a volta ao estado de natureza do cada um por si e todos
contra todos, onde vence o mais forte economicamente e danem-se os fracos, são
priorizados os paraísos privados de compras, os assim chamados shoppings centers, os condomínios
fechados, os carros blindados, a saúde privatizada, em detrimento do bem
público. Os seguidores dessa ideologia política têm o Mercado como único
fundamento de ordenação e orientação social, e desta forma mantêm-se distantes
e alheios à construção de uma sociedade mais equilibrada e sustentável.
Os espaços públicos que deveriam servir a todos acabam
paulatinamente sendo privatizados em nome do progresso. E os problemas das
metrópoles, em todo mundo, cada vez mais se agravam abertamente: dificuldades
de mobilidade pelo incentivo à compra do automóvel em detrimento do
investimento no transporte público de qualidade; deterioração de bairros e
territórios inteiros em nome da especulação imobiliária; enfim, ausência de
políticas públicas de qualidade que contemplem a população como um todo,
principalmente aquela parte que mais necessita dessas políticas.
Importante lembrar que esse tipo de manifestação da juventude só foi
possível porque estamos no regime democrático, e o que seria a democracia?
Podemos dizer que a democracia moderna é, antes de tudo, o
reconhecimento que a humanidade faz de si mesma, percebendo que pessoas e
coletividades são capazes de ser agentes de suas histórias, como sujeitos
livres e iguais, tendo o direito de agir na qualidade de criadores de suas
vidas individual e coletiva, exercendo sua liberdade positiva, e não somente
tendo o direito de lutar para serem libertados dos grilhões que os aprisionam,
pela limitação do poder político ou econômico, a assim chamada liberdade
negativa.
Um dos eixos centrais da democracia é a soberania popular, a
afirmação de que a ordem política é produzida pela ação humana.
Por consequência temos que viver democraticamente requer não apenas
saber das próprias razões e projetos pessoais, fechando-se neles. É preciso
aprender a conhecer as razões do outro, uma vez que a dimensão comum componente
de uma cultura e uma vida democrática requer visões e responsabilidades
compartilhadas.
No caso específico da juventude, ela requer a existência de
estruturas adequadas para o seu desenvolvimento integral, para suas buscas e
inovações, para a formulação dos projetos e de suas inserções na vida política,
social, cultural e econômica, que levem em conta as diversidades entre as
pessoas, bem como as desigualdades de classe, gênero, etnia, condição de
moradia, localização entre centro e periferia: em função destas diferenças, os
recursos disponíveis pelas políticas públicas resultam em chances muito
distintas de desenvolvimento e inserção para os jovens.
E como atesta Paulo
Freire, com a experiência desumanizadora da pobreza e da carência, os movimentos sociais - neste caso, o movimento de juventudes - fazem resistência e incentivo para
formação de valores e ação política. É a pedagogia de reagir às limitações
impostas à existência pelos modelos de produção e reprodução da vida humana,
para estabelecer processos de humanização.
A experiência de
viver sob desigualdades sociais e econômicas é uma matriz formadora de
processos de humanização com base na consciência da desumanização a que se está
submetido.
Tomar consciência, segundo Freire, é um processo que só existe
quando não apenas reconhecemos, mas experimentamos a dialeticidade entre
objetividade e subjetividade, entre prática e teoria. A conscientização não
pode parar na etapa do desvelamento da realidade: a sua autenticidade acontece
quando a prática do desvelamento da
realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da transformação da realidade,
situando os sujeitos em processo de elaboração de suas cidadanias. A cidadania
para Freire é essencialmente uma transformação continua da realidade na busca
coletiva da humanização.
As manifestações recentes vêm demonstrar que estamos apenas no
começo.
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