Alexandre Aragão de Albuquerque
A eleição do primeiro papa latino-americano, realizada no
último dia 13 de março, deixa um gostinho na boca em relação a uma inquietação
que nunca quis calar: o que teria sido uma eventual eleição de Dom Hélder
Câmara, designado arcebispo de Olinda e Recife em 12 de março de 1964, como
pontífice máximo?
Dom Hélder é um dos pilares da Igreja Católica na América
Latina, num tempo de bipolaridade mundial, que dividia as nações hegemônicas em
duas partes: comunistas e capitalistas, as quais impunham, às nações que delas
dependiam, a forma de fazer política externa e interna.
Neste contexto de Guerra Fria continuada, Dom Hélder nunca
temeu nem calou diante das ameaças que lhe eram dirigidas e a seus
colaboradores e colaboradoras.
Grande defensor dos Direitos Humanos, em plena ditadura
militar brasileira, sempre apregoou e vivenciou a não-violência como caminho de
construção de uma sociedade justa e fraterna, tendo como premissa a opção
preferencial pelos pobres. Sua práxis pastoral era eminentemente participativa
e colegiada, tendo sido um dos idealizadores e fundadores do CELAM e da CNBB, sendo
seu secretário-geral até 1964.
Em Recife, entre outras ações pastorais, criou o Banco da
Providência, o Movimento Encontro de Irmãos e a Comissão de Justiça e Paz, além
de fortalecer o crescimento e a ação das comunidades eclesiais de base – CEB’s.
E não hesitou em utilizar todos os meios de comunicação para denunciar a
violência política e militar existente no Brasil daquela época, pregando uma fé
cristã comprometida com as dores e angústias dos empobrecidos.
Com a publicação do Ato Institucional número 5, o AI-5, pela ditadura militar, foi-lhe negado o acesso aos meios de comunicação, sendo proibido aos veículos de comunicação circulante no país publicar qualquer referência a sua pessoa.
Por sua atuação decidida, foi o único brasileiro indicado por
quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, mas as manobras políticas do governo
brasileiro de então impossibilitaram que viesse a ganhá-lo.
Infelizmente, a conjuntura política bipolar do mundo impediu
que Dom Hélder fosse sagrado cardeal pela Santa Sé, e assim pudesse reunir
condições para uma possível eleição à cátedra petrina nas quatro ocasiões em
que ocorreram os conclaves.
O tempo político mundial mudou. Não é mais bipolar. Busca-se
agora uma multipolaridade na qual a diversidade das nações, dos povos e grupos
possa ter expressão no cenário mundial, por meio de canais de representação e
participação multilaterais com os quais se possam traçar caminhos para a busca
de respostas aos justos anseios de que esses sujeitos sociais são portadores. É
um tempo de novas primaveras, mais plurais e horizontais, construídas com a
participação de muitos.
Sinais dos tempos é uma categoria teológica. Tem como mote de
sua reflexão a passagem do evangelho de Mateus, na qual Jesus de Nazaré
responde a uma provocação farisaica que lhe foi dirigida: “Quando é chegada a tarde, dizeis: haverá bom tempo porque o céu está
rubro. E pela manhã: hoje haverá tempestade porque o céu está sombrio.
Hipócritas: sabeis discernir a face do céu, e não conheceis os sinais dos
tempos?” (Mt 16, 1-3).
E Jesus de Nazaré completa seu pensamento em reposta a João
Batista: “Voltem e anunciem o que estão
vendo: os cegos veem, os surdos ouvem, os coxos andam, os leprosos são curados,
a boa-nova é anunciada aos pobres. E feliz daquele que não se escandaliza por
minha causa”. (Mt 11).
Esses sinais podem surgir por meio de circunstâncias e
pessoas, independente de sexo, raça, nacionalidade, condição social, condição
cultural ou credo, porque ninguém pode afirmar com absoluta certeza de onde o
vento vem nem para onde vai. Como disse Bento XVI, “menosprezar estes sinais ou
não os saber discernir é perder ocasião de renovação” (Mensagem enviada aos
brasileiros no início da Campanha da Fraternidade 2013).
Na eleição de Karol Wojtyla já havia algo no ar. Parecia que
a multipolaridade começava a soprar os muros do Vaticano, porque pela primeira
vez elegia-se um papa polonês, rompendo o circuito de poder dos cardeais
italianos, representados naquele conclave por Giuseppe Siri (cardeal de Gênova)
e Giovanni Benelli (cardeal de Florença).
Na época Wojtyla afirmou que era “um papa que veio de um país
distante”. De fato, foi o primeiro papa não italiano em 455 anos. Iniciava-se assim
uma mudança, ao menos simbolicamente, do centro do poder.
Uma de suas principais preocupações como papa João Paulo II
era o entendimento profundo do ser humano, “que não é possível de ser compreendido
a partir de uma visão econômica unilateral”, numa forte crítica aos sistemas
econômicos vigentes, que apregoavam a centralidade do Estado (comunismo) ou a
centralidade do Mercado (neoliberalismo) como deuses em torno dos quais a vida
humana deveria girar, segundo esses sistemas.
O seu sucessor também não foi italiano. Era alemão. No final
de seu governo, inovou, renunciando, colocando sobre os telhados da opinião
pública mundial os desafios que são postos à Igreja Católica no tempo presente.
Poderia ter calado, mas não o fez. Abriu as feridas, retirando-as de uma
invisibilidade escondida, para indicar a necessidade de uma transparência
sensível, perceptível aos olhos de todos os seguidores de Jesus de Nazaré.
No caminho de preparação do conclave, uma dessas
publicizações foi de vital importância para a compreensão daqueles que
acompanhavam com respeito os passos que estavam sendo dados para a eleição do
novo pontífice. Trata-se do debate entre os cardeais Tarcisio Bertone e João
Braz Avis, no qual foi questionada pelo brasileiro a forma superficial e insuficiente
dos relatórios apresentados pelo italiano em relação aos problemas elencados
por Bento XVI, entre eles o que diz respeito ao Banco do Vaticano, uma das
feridas abertas expostas pelo ato da renúncia.
Estava claro o sinal de que boa parte dos cardeais, que
aplaudiram a exposição feita por João Avis, não estava de acordo com os
procedimentos da Cúria Romana. Apesar da enorme desproporção de poder existente
na distribuição do número de cardeais que constituíram o conclave, dos quais 28
(vinte e oito) eram italianos e, por exemplo, somente 05 (cinco) eram
brasileiros, a compreensão do tempo presente indicava a necessidade de uma
correlação de forças que fosse capaz de eleger um papa que pudesse gerar novo
tempo para a Igreja Católica. Desta vez, não mais italiano nem mesmo do
continente europeu, mas do “fim do mundo”.
O fim do mundo é uma categoria que pode representar não
necessariamente o final absoluto dos tempos, mas o final de uma época para a
chegada de outra; ou seja, o fim de um mundo, de uma forma de conceber e de
fazer a realidade.
Em suas primeiras palavras na loggia de Pedro, o papa Francisco afirmou que “Agora começamos este caminho”. Portanto, trata-se de um começo que
se inicia agora, coletivamente. E continua: “Um
caminho de fraternidade (e não de paternidade) e de confiança. Desejo que este
caminho da Igreja que hoje começamos seja frutuoso”.
“Fim do mundo” também pode significar a urgente e necessária
compreensão, principalmente para aqueles que estão no centro do poder, de que
existem outros mundos, com formas diferentes de sentir, pensar e agir por parte
de seres humanos concretos. E que um novo caminho só poderá ser trilhado somente pelo encontro fraterno e confiante entre esses mundos.
Consequentemente, um discurso que vise à unidade, a partir
desta perspectiva, não poderá jamais confundir-se com uniformidade ou imposição
de uma visão sobre outra. Mas do necessário diálogo capaz de produzir sínteses
formuladoras de novos mundos geradores de frutos saborosos para todos, e não
apenas para alguns.
Ontem quando do anúncio do novo papa, a primeira pessoa de quem lembrei foi você Alexandre, pensei: já já tem novo texto no Blog...
ResponderExcluirMuito bem colocado seu pensamento desse novo mundo que vem surgindo, um mundo de igualdade, fraternidade, e não por acaso temos um representante que apresenta hábitos como os nossos.
Agora é rezar e trabalhar em prol dessa causa, que como lembrado por você, era também a bandeira levantada por Dom Helder, de que somos todos iguais, somos todos irmãos, filhos de um único Pai. Abraço, Aline Valença.
Bela reflexão. O forte foi a lembrança de Dom Helder Câmara, realmente um pastor que amadureceu no embate com a pobreza.
ResponderExcluirEsperamos mais, Alexandre. Vamos em frente!
Josênio Parente