quinta-feira, 14 de março de 2013

SINAIS DOS TEMPOS: UM PAPA QUE VEIO DO FIM DO MUNDO





Alexandre Aragão de Albuquerque


A eleição do primeiro papa latino-americano, realizada no último dia 13 de março, deixa um gostinho na boca em relação a uma inquietação que nunca quis calar: o que teria sido uma eventual eleição de Dom Hélder Câmara, designado arcebispo de Olinda e Recife em 12 de março de 1964, como pontífice máximo?

Dom Hélder é um dos pilares da Igreja Católica na América Latina, num tempo de bipolaridade mundial, que dividia as nações hegemônicas em duas partes: comunistas e capitalistas, as quais impunham, às nações que delas dependiam, a forma de fazer política externa e interna.

Neste contexto de Guerra Fria continuada, Dom Hélder nunca temeu nem calou diante das ameaças que lhe eram dirigidas e a seus colaboradores e colaboradoras.

Grande defensor dos Direitos Humanos, em plena ditadura militar brasileira, sempre apregoou e vivenciou a não-violência como caminho de construção de uma sociedade justa e fraterna, tendo como premissa a opção preferencial pelos pobres. Sua práxis pastoral era eminentemente participativa e colegiada, tendo sido um dos idealizadores e fundadores do CELAM e da CNBB, sendo seu secretário-geral até 1964.

Em Recife, entre outras ações pastorais, criou o Banco da Providência, o Movimento Encontro de Irmãos e a Comissão de Justiça e Paz, além de fortalecer o crescimento e a ação das comunidades eclesiais de base – CEB’s. E não hesitou em utilizar todos os meios de comunicação para denunciar a violência política e militar existente no Brasil daquela época, pregando uma fé cristã comprometida com as dores e angústias dos empobrecidos.

Com a publicação do Ato Institucional número 5, o AI-5, pela ditadura militar, foi-lhe negado o acesso aos meios de comunicação, sendo proibido aos veículos de comunicação circulante no país publicar qualquer referência a sua pessoa.

Por sua atuação decidida, foi o único brasileiro indicado por quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, mas as manobras políticas do governo brasileiro de então impossibilitaram que viesse a ganhá-lo.

Infelizmente, a conjuntura política bipolar do mundo impediu que Dom Hélder fosse sagrado cardeal pela Santa Sé, e assim pudesse reunir condições para uma possível eleição à cátedra petrina nas quatro ocasiões em que ocorreram os conclaves.

O tempo político mundial mudou. Não é mais bipolar. Busca-se agora uma multipolaridade na qual a diversidade das nações, dos povos e grupos possa ter expressão no cenário mundial, por meio de canais de representação e participação multilaterais com os quais se possam traçar caminhos para a busca de respostas aos justos anseios de que esses sujeitos sociais são portadores. É um tempo de novas primaveras, mais plurais e horizontais, construídas com a participação de muitos.

Sinais dos tempos é uma categoria teológica. Tem como mote de sua reflexão a passagem do evangelho de Mateus, na qual Jesus de Nazaré responde a uma provocação farisaica que lhe foi dirigida: “Quando é chegada a tarde, dizeis: haverá bom tempo porque o céu está rubro. E pela manhã: hoje haverá tempestade porque o céu está sombrio. Hipócritas: sabeis discernir a face do céu, e não conheceis os sinais dos tempos?” (Mt 16, 1-3).

E Jesus de Nazaré completa seu pensamento em reposta a João Batista: “Voltem e anunciem o que estão vendo: os cegos veem, os surdos ouvem, os coxos andam, os leprosos são curados, a boa-nova é anunciada aos pobres. E feliz daquele que não se escandaliza por minha causa”. (Mt 11).

Esses sinais podem surgir por meio de circunstâncias e pessoas, independente de sexo, raça, nacionalidade, condição social, condição cultural ou credo, porque ninguém pode afirmar com absoluta certeza de onde o vento vem nem para onde vai. Como disse Bento XVI, “menosprezar estes sinais ou não os saber discernir é perder ocasião de renovação” (Mensagem enviada aos brasileiros no início da Campanha da Fraternidade 2013).

Na eleição de Karol Wojtyla já havia algo no ar. Parecia que a multipolaridade começava a soprar os muros do Vaticano, porque pela primeira vez elegia-se um papa polonês, rompendo o circuito de poder dos cardeais italianos, representados naquele conclave por Giuseppe Siri (cardeal de Gênova) e Giovanni Benelli (cardeal de Florença).

Na época Wojtyla afirmou que era “um papa que veio de um país distante”. De fato, foi o primeiro papa não italiano em 455 anos. Iniciava-se assim uma mudança, ao menos simbolicamente, do centro do poder.

Uma de suas principais preocupações como papa João Paulo II era o entendimento profundo do ser humano, “que não é possível de ser compreendido a partir de uma visão econômica unilateral”, numa forte crítica aos sistemas econômicos vigentes, que apregoavam a centralidade do Estado (comunismo) ou a centralidade do Mercado (neoliberalismo) como deuses em torno dos quais a vida humana deveria girar, segundo esses sistemas.

O seu sucessor também não foi italiano. Era alemão. No final de seu governo, inovou, renunciando, colocando sobre os telhados da opinião pública mundial os desafios que são postos à Igreja Católica no tempo presente. Poderia ter calado, mas não o fez. Abriu as feridas, retirando-as de uma invisibilidade escondida, para indicar a necessidade de uma transparência sensível, perceptível aos olhos de todos os seguidores de Jesus de Nazaré.

No caminho de preparação do conclave, uma dessas publicizações foi de vital importância para a compreensão daqueles que acompanhavam com respeito os passos que estavam sendo dados para a eleição do novo pontífice. Trata-se do debate entre os cardeais Tarcisio Bertone e João Braz Avis, no qual foi questionada pelo brasileiro a forma superficial e insuficiente dos relatórios apresentados pelo italiano em relação aos problemas elencados por Bento XVI, entre eles o que diz respeito ao Banco do Vaticano, uma das feridas abertas expostas pelo ato da renúncia.

Estava claro o sinal de que boa parte dos cardeais, que aplaudiram a exposição feita por João Avis, não estava de acordo com os procedimentos da Cúria Romana. Apesar da enorme desproporção de poder existente na distribuição do número de cardeais que constituíram o conclave, dos quais 28 (vinte e oito) eram italianos e, por exemplo, somente 05 (cinco) eram brasileiros, a compreensão do tempo presente indicava a necessidade de uma correlação de forças que fosse capaz de eleger um papa que pudesse gerar novo tempo para a Igreja Católica. Desta vez, não mais italiano nem mesmo do continente europeu, mas do “fim do mundo”.

O fim do mundo é uma categoria que pode representar não necessariamente o final absoluto dos tempos, mas o final de uma época para a chegada de outra; ou seja, o fim de um mundo, de uma forma de conceber e de fazer a realidade.

Em suas primeiras palavras na loggia de Pedro, o papa Francisco afirmou que “Agora começamos este caminho”. Portanto, trata-se de um começo que se inicia agora, coletivamente. E continua: “Um caminho de fraternidade (e não de paternidade) e de confiança. Desejo que este caminho da Igreja que hoje começamos seja frutuoso”.

“Fim do mundo” também pode significar a urgente e necessária compreensão, principalmente para aqueles que estão no centro do poder, de que existem outros mundos, com formas diferentes de sentir, pensar e agir por parte de seres humanos concretos. E que um novo caminho só poderá ser trilhado somente pelo encontro fraterno e confiante entre esses mundos.

Consequentemente, um discurso que vise à unidade, a partir desta perspectiva, não poderá jamais confundir-se com uniformidade ou imposição de uma visão sobre outra. Mas do necessário diálogo capaz de produzir sínteses formuladoras de novos mundos geradores de frutos saborosos para todos, e não apenas para alguns.

2 comentários:

  1. Ontem quando do anúncio do novo papa, a primeira pessoa de quem lembrei foi você Alexandre, pensei: já já tem novo texto no Blog...
    Muito bem colocado seu pensamento desse novo mundo que vem surgindo, um mundo de igualdade, fraternidade, e não por acaso temos um representante que apresenta hábitos como os nossos.
    Agora é rezar e trabalhar em prol dessa causa, que como lembrado por você, era também a bandeira levantada por Dom Helder, de que somos todos iguais, somos todos irmãos, filhos de um único Pai. Abraço, Aline Valença.

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  2. Bela reflexão. O forte foi a lembrança de Dom Helder Câmara, realmente um pastor que amadureceu no embate com a pobreza.
    Esperamos mais, Alexandre. Vamos em frente!
    Josênio Parente

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